quinta-feira, 15 de março de 2012

A casa e ele

Era uma casa abandona. Era um corpo em ruínas.
Naquele dia, no quarto do hospital, enquanto a enfermeira colocava a agulha da seringa em mim (Esteves dói quando eu aperto aqui?), eu olhei pela janela e comecei a me lembrar de minha mãe, da casa, da sensação de ter pertencido e não mais.
Quando eu ainda era menino, e ia levado pelas mãos de minha mãe, lembro a primeira vez que vi a casa. Fiquei pasmo frente ao vazio. Talvez naquele momento tenha sido a primeira vez que me senti só, mesmo com uma mão agarrada a minha. Minha mãe em sua pressa cotidiana me puxava sem perceber que ali eu me tornava homem, pois, começava a compreender a solidão.
Todos os outros dias de minha infância, adolescência, passei em frente à casa, que ficava na rua da minha. Em todas as vezes que a olhei ela continuava vazia. Da janela da casa, dava para ver a sala, a cozinha ao fundo, a falta de pessoas, o amontoado de folhas do tempo na varanda.
De uns tempos para cá uma placa de VENDE foi colocada no portão. De uns tempos para cá tenho visitado o hospital.  E descobri no meio de tudo que sou a casa, que antes eu admirava. Estou em ruínas assim como a casa. Estou vazio e triste.
Já faz um mês que não saio do hospital. Tenho toda uma rotina nova de visita de médicos, enfermeiros e parentes, poucos. E hoje olhando pela janela, só consigo pensar na casa. Queria saber quem a comprou, os móveis que colocaram na sala, se varreram as folhas da frente da casa. Prefiro pensar em tudo isso a pensar no que sempre pensamos quando encaramos a morte. Prefiro pensar em tudo que fica, do que em tudo que ficou para trás, o que deixei de fazer.
Talvez eu saia essa semana e possa olhar a casa. Talvez...
Esteves morreu na mesma tarde. Encarando a janela com olhar vago. Eu acompanhei de longe toda a sua permanência no hospital. Ele ficava no mesmo quarto que eu, na cama ao lado. Eu perguntei para um parente dele que veio buscar as coisas dele, o que tinha acontecido com a casa de que ele tanto falara. Ele me respondeu que a casa havia sido derrubada naquela mesma tarde. Parece que o novo dono queria algo totalmente diferente, sem passados.  

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